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Quem sou eu? Arte, identidade e representação I

Gostava fizessem os vossos comentários sobre as obras que vos suscitaram maior interesse na visita de estudo à Gulbenkian.
Obrigada!

Quem sou eu? Arte, identidade e representação II

Fico à espera dos vossos comentários sobre estes 3 suportes/realidades: Espelho. Vidro. Tela.

Visita de Estudo à FC Gulbenkian: Quem sou eu? Arte, identidade e representação

Realizada em parceria com a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República em Portugal e integrada, por isso, num vasto conjunto de iniciativas, esta exposição propõe o confronto entre obras do início do século XX e do início do século XXI em função de problemáticas que discutem o contexto e a natureza da res publica e das heranças sociais da República no mundo globalizado contemporâneo. Com incidência nacional, a exposição inclui obras de artistas estrangeiros que pontuam e sublinham aspectos da abordagem desenvolvida.

Rodrigo Cotrim: Performance

Mono Impressão

Francis Bacon: A Terrible Beauty

Anselm Kiefer Painting

Jackson Pollock

Andy Warhol (1928-1987): Os autos-Retrato

Sobre os autos-retrato de Andy Warhol, o crítico alemão Robert Rosemblum escreveu em 2005:
(...) “constantemente se alternam entre contar-nos tudo e nada sobre o artista, que pode parecer, ainda no mesmo trabalho, tanto vulnerável como invulnerável, profundo como superficial. Acima de tudo, os auto-retratos de Warhol oferecem uma série de máscaras teatrais as quais, mesmo quando parecem confrontar o espectador com assustadora intensidade, escapam ao nosso olhar.(...) Nos primeiros auto-retratos criados no contexto da recém-nascida Pop Art, Warhol vê a si próprio como um teatro instantâneo, como uma glamourosa celebridade.
Andy Warhol 1986 Self-Portrait

"Manifesto sobre amor fraco e o amor amargo"

"Manifesto sobre amor fraco e o amor amargo"
Para se fazer um poema dadaísta.
Pegue num jornal
Pegue numa tesoura.
Escolha no jornal um artigo que tenha o tamanho que pensa dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte seguidamente com cuidado as palavras que formam o artigo e meta-as num saco.
Agite com cuidado.
Seguidamente, retire um por um.
Copie conscienciosamente segundo a ordem pela qual foram saindo do saco.
O poema parecer-se-á consigo.
E você tornou-se um escritor infinitamente original e duma sensibilidade encantadora, ainda que incompreendida pelo vulgo.
Tristan Tzara
Raoul Hausmann 1930 Fotomontaje
Hannah Höch 1919 Portrait de Gerhard Hauptmann

Retrato e auto-retrato de Picasso

Picasso 1938 Dora Maar
Picasso 1972 Self Portrait Facing Death

Construção/Desconstrução da Imagem: Dali e Magritte

 
Salvador Dalí 1934-35 Mae West
Salvador Dalí 1955 Laurence Olivier in the Role of Richard III
René Magritte The face of genius
René Magritte 1926 The Conqueror

Construção/Desconstrução da Imagem: John Baldessari

   

Baldessari 2006 Nose & Ears
 
 
Baldessari 2006 Nose & Ears

 

Baldessari 2006 Nose & Ears
 

Francis Bacon: Da Aparência à Essência da Imagem

Francis Bacon [Pintor Expressionista Irlandês, 1909-1992], além de si próprio, pintou amigos seus. Depois de fotografar os seus modelos, representava-os pictoricamente numa espécie de força e insinuação, ressaltando os traços mais marcantes, desprezando e distorcendo tudo o resto, sem que, no entanto, deixemos de identificar quem é a pessoa retratada.

Os seus retratos são um distanciamento da aparência: Como se poderá pintar o vestígio de um ruído no silêncio da angústia? Com as distorções, ele pretendia, imprimir mais força às imagens, inerentes do desejo de transmissão entre ele o retratado, e não apenas produzir o efeito de agressividade ou de violência.

A sua intenção era a de pintar a essência das coisas, da paisagem, da água, das pessoas, daquilo que delas emana, a sua substância, porém sem qualquer dimensão psicológica ou de personalidade.

Bacon parece tomar consciência da fugacidade da imagem, e quase reafirma as palavras de Lacan no seminário sobre a angústia:


Bacon 1955 Study for Portrait
Francis Bacon 1971 Self Portrait

Cartas a um Jovem Poeta

Rainer Maria Rilke
(Áustria, 1875-1926)


Meu caro senhor:

Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação crítica. Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do que as palavras da crítica, que apenas conduzem a mal entendidos mais ou menos felizes. Nem tudo se pode apreender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu. E nada mais difícil de exprimir do que as obras de arte — seres vivos e secretos cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera.


Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua. Contêm, é certo, gérmens de personalidade, mas ainda tímidos e escondidos. Senti-o, sobretudo, no seu último poema: A Minha Alma. Neste poema, qualquer coisa de pessoal procura encontrar solução e forma. E em toda a bela poesia A Leopardi se sente uma espécie de parentesco com este príncipe, este solitário. Contudo, os seus poemas não têm existência própria, independência, nem mesmo o último, nem mesmo o que é dedicado a Leopardi. Na sua carta encontrei a explicação de certas insuficiências que já notara ao lê-lo, mas a que não me fora possível dar nome. Pergunta-me se os seus versos são bons. Pergunta-mo a mim — depois de o ter perguntado a vários. Manda-os para as revistas. Compara-os a outros poemas e alarma-se quando certas redacções afastam os seus ensaios poéticos. Doravante (visto que me permite aconselhá-lo), peço-lhe que renuncie a tudo isso. O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo — ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: “Morreria se não me fosse permitido escrever?” Isto, sobretudo: na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta:


— “Sou realmente obrigado a escrever?” — examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta. Se esta resposta for afirmativa, se puder fazer face a uma tão grave interrogação com um forte e simples “Devo”, então construa a sua vida segundo esta necessidade. A sua vida, mesmo na sua hora mais indiferente, mais vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. Então, aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o poeta só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite os que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde.


Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes. Mesmo numa prisão cujas paredes abafassem todos os ruídos do mundo, não lhe restaria sempre a sua infância, essa preciosa, essa magnífica riqueza, esse tesouro de recordações? Oriente neste sentido o seu espírito. Tente fazer voltar à superfície as impressões submersas desse vasto passado. A sua personalidade fortificar-se-á, a sua solidão povoar-se-á, tornando-se, nas horas incertas do dia, uma espécie de habitação fechada aos ruídos exteriores. E se lhe vierem versos deste regresso a si próprio, deste mergulho no seu mundo, não pensará em perguntar se são bons ou não, não procurará conseguir que revistas e jornais se interessem pelos seus trabalhos, porque gozará deles como de uma posse natural, como de um dos seus modos de vida e de expressão. Uma obra de arte é boa quando nasce de uma necessidade: é a natureza da sua origem que a julga. Por isso, meu caro senhor, apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota. Só lá encontrará a resposta à pergunta: — “Devo criar?”. Desta resposta recolha o som sem forçar o sentido. Talvez chegue então à conclusão de que a arte o chama. Nesse caso, aceite o seu destino e tome-o, com o seu peso e a sua grandeza, sem jamais exigir uma recompensa que possa vir do exterior. O criador deve ser todo um universo para si próprio, tudo encontrar em si próprio e nessa parcela da natureza com que se identificou. Pode acontecer que, depois desta descida em si mesmo, ao “solitário” de si mesmo, tenha de renunciar a ser poeta. (Basta, a meu ver, sentir que se pode viver sem escrever para que não seja permitido escrever). Mas, mesmo neste caso, a introspecção que lhe peço não terá sido vã. A sua vida dever-lhe-á sempre, quanto mais não seja, caminhos próprios.


Que esses caminhos sejam bons, felizes e longos é o que lhe desejo como não sei dizer-lhe. Que poderei acrescentar? Creio ter abordado o essencial. No fundo, apenas fiz questão de aconselhá-lo a evoluir segundo a sua lei, gravemente, seguramente. Não lhe seria possível perturbar mais violentamente a sua evolução do que dirigindo o seu olhar para fora, do que esperando de fora as respostas que só o seu sentimento mais íntimo, na hora mais silenciosa, poderá talvez dar-lhe. Gostei de encontrar na sua carta o nome do professor Horacek.


Dediquei a este sábio um grande respeito e um reconhecimento que já duram há anos. Quer dizer-lhe isto da minha parte? É uma grande bondade dele, que muito aprecio, lembrar-se ainda de mim.
Devolvo-lhe os versos que tão amavelmente me confiou e mais uma vez lhe agradeço a cordialidade e a amplitude da sua confiança.

Nesta resposta sincera, escrita o melhor que soube, procurei ser um pouco mais digno dessa confiança do que o é, na realidade, este homem que não conhece.

A minha dedicação e a minha simpatia.


Rainer Maria Rilke
Paris, 17 de Fevereiro de 1903

In Cartas a um Jovem Poeta, trad. de Fernanda de Castro,
contexto editora, Lisboa, 1994